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sábado, 25 de outubro de 2014

Polifonia: onde, quando, como e por quê?


Nota do editor do blog: João Ganzarolli é um estudioso das artes, e publicará em 2015, pela Editora da UFRJ, o livro Uma história da música polifônica: vozes medievais que iluminaram o Ocidente, com prefácio de Dom Félix Ferrá e orelha de Marcelo Coutinho. O artigo que aqui se publica foi-nos generosamente enviado pelo mesmo João Ganzarolli, a quem o agradecemos.

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POLIFONIA
onde, quando, como e por quê?§

João Vicente Ganzarolli de Oliveira
Professor do Centro de Tecnologia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro

A última palavra ainda não foi dita e talvez nunca o seja quanto às origens da polifonia litúrgica ocidental. As incertezas são muitas quando nos perguntamos pelo onde, o quando, o como e o porquê de os clérigos da Idade Média terem começado a misturar melodias dentro do mesmo intervalo de tempo. Sabe-se que ela veio do Leste e já existia na Cristandade oriental do século IV (possivelmente até entre os gregos antigos, conforme certas indicações de Aristóteles, Aristoxeno e outros gigantes do paganismo helênico permitem supor); mas carecemos da exatidão geográfica: Constantinopla, Alexandria e a longínqua Geórgia são pontos prováveis dessa irradiação. Tampouco se pode afirmar com segurança onde essas luzes brilharam pela primeira vez: Milão, Roma e Metz disputam a primazia.
É incontestável que Jesus e São Paulo cantavam, e que, para os primeiros cristãos, cantar e rezar era o mesmo (cf. At 16,25; Ef 5,19; Col 3,16; Mt 26,30; e 1 Cor 10: 17). É uma identidade que tem raízes mais profundas, e que vemos reiterada pelo neoplatônico egípcio Plotino (séc. III d.C.), autor do sistema filosófico mais espiritualizante de toda a Antiguidade (cf. Porfírio. Vita Plotini, I, 1). Datam do século IX os tratados Musica enchiriadis e o Scolica enchiriadis, nos quais se encontram as mais antigas partituras de música polifônica ocidental. É nítido que eles se completam, mas permanecem dúvidas quanto à sua autoria (Ubaldo de Saint-Amand [c.840-930], Santo Odo de Cluny [878-942], outros sábios carolíngios?); não sabemos nem mesmo se foram escritos pelo mesmo autor ou se houve parceria na composição de um deles ou de ambos.