Carlos Nougué
“Porque,
entre el amor y Marte,
muera Marte, y amor viva.”
muera Marte, y amor viva.”
Calderón de la
Barca
As artes russas, incluído o
cinema, desde a revolução bolchevique estiveram submetidas aos ditames da política
partidária. Surgiu daí o chamado “realismo socialista”, que antes deveria
chamar-se “realismo de propaganda socialista”: um modo “artístico” padronizado
segundo os interesses da revolução. Dizia-se contrário à arte moderna burguesa
e decadente: mas o fato é, que se a “arte" moderna ocidental era e é efetivamente
decadente – a própria diluição das formas,
como diria Giovanni Reale –, o realismo socialista tampouco era propriamente arte. Era
antes, insista-se, meio de propaganda ideológica. Mas supreendentemente o
cinema russo tanto sob Lênin como sob Stalin também teve suas veleidades de “arte
de vanguarda”, e Dziga Vertov e Serguei Eisenstein foram dois de seus
expoentes. O cinema do primeiro é simplesmente insofrível, pura diluição das formas. O do segundo
pretendia-se duplamente revolucionário: comunista e vanguardista. Não posso
senão concordar com Andrei Tarkovski quanto ao cinema de Eisenstein: é forçado,
anticinematográfico, nervoso como a própria revolução, sobretudo Greve, Outubro e o Encouraçado
Pontemkin, os quais, apesar de constarem das listas ocidentais de melhores
filmes de todos os tempos, não passam de artificiosas peças cerebrinas, justo
porque neles o diretor pretendeu infundir princípios de psicologia a mais rasteira
(era a época de Pavlov...). Mesmo seus melhores filmes, Alexandre Nevsky e Ivã, o
Terrível, padecem ainda tal equívoco (como esquecer a primária cena de Alexandre Nevsky em que um russo é
alçado pelos cavaleiros teutônicos para morrer e é sobreposto à escultura de um
anjo?...).*
Mas
a vida e a história sempre trazem surpresas. As reformas empreendidas na era de Nikita
Khrushchov (como primeiro-secretário do Partido e depois como primeiro-ministro), se não operaram nenhuma alteração de fundo no regime socialista, ao
menos nos deixaram duas belas películas: Quando
Voam as Cegonhas (Letyat Zhuravli, 1957, de Mikhail Kalatozov) e A Balada do
Soldado (Ballada o Soldate, 1959, de Grigori Chukhraj). São semelhantes no tema: os tristes
efeitos da guerra especialmente sobre os que se amam. Não deixam, é verdade, de
ter marcas da estética do realismo socialista, e em ambos, como era de esperar,
Deus está de todo ausente. Mas tampouco deixam de ter méritos
artísticos, além de que seu fim não é mau em si (apesar do uso que pudesse
fazer deles o regime de Khrushchov).
É porém de A Balada do Soldado que falarei mais detidamente aqui.
Antes de tudo, a balada do título remete à composição
poética de mesmo nome, tanto a de caráter heroico como a de caráter elegíaco e
a de caráter amoroso. Porque, com efeito – e quase sem insistir na heroicidade
do soldado vermelho –, a película é
um digno elogio do valor do soldado em geral e uma elegia pela dor
dos amantes e dos familiares separados pela guerra. No filme, Alyosha, um mui jovem soldado recrutado para o front na Segunda Guerra Mundial, logra
destruir sozinho, com certa sorte, tanques alemães. Recebe uma condecoração
pelo feito, mas consegue também uma semana de licença para visitar a mãe. No
entanto, o caminho para casa é longo, e nele Alyosha vai deparando com as dores
e as mazelas causadas pela guerra. Mais que isso, no entanto, viajando clandestino
num trem, conhece outra clandestina, a jovem Shura – e os dois se enamoram. O
amor entre os dois cresce durante uma viagem acidentada e... O restante não o conto,
para que possais desfrutar mais intensamente da película.
Insista-se apenas: apesar da total ausência de
transcendência, A Balada do Soldado não
deixa de ser tocante, sem ser piegas nem pacifista ao modo norte-americano. E isso
já é grande coisa.
* Mas o oratório de Alexandre Nevsky e o de Ivã, o Terrível, ambos compostos por
Serguei Prokofiev, são estupendos – e permanecem.