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sábado, 30 de outubro de 2021

“Uma Esmola pelo Amor de Deus”

O paraguaio Augustín Barrios Mangoré, um dos maiores compositores para guitarra (violão) de todos os tempos – para mim, é o maior depois de Sor –, muito pouco antes de morrer ouviu à sua porta três batidas que se repetiam. Ao abri-la, deparou com um velha senhora que lhe pedia “uma esmola, pelo amor de Deus”. Deu-lha, e imediatamente compôs esta obra-prima (executada aqui pela genial coreana Kyuhee Park, então [2015] com 29 anos). Mas Barrios, que desde sua outra obra-prima chamada A Catedral vinha dando sinais de conversão, compôs Uma Esmola pelo Amor de Deus como se estivesse, como devido, mendigando a Deus sua salvação eterna. E, com efeito, é impossível escutar esta peça sem emocionar-se religiosamente, sobretudo se é executada com a profundidade com que a executa Kyuhee Park. Boa audição, senhores, destes tocantes três minutos de grande arte.


Quem sai aos seus não degenera: Wilhelm Friedemann Bach (1710-1784), Oito Fugas, Fk. 31


sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Anton Bruckner -- Aequale No. 1 e Aequale n. 2 para três Trombones (1847)

Já fiz pública muitas vezes, e especialmente em livros, minha admiração pelo compositor austríaco católico Anton Bruckner (1824-1896). Seus motetos, suas missas e, especialmente, suas sinfonias compõem uma das obras musicais mais conseguidas de todos os tempos. E não nos deixemos enganar por uma falsa perspectiva: essencialmente, a música de Bruckner é de louvor a Deus, e, à parte determinados recursos wagnerianos de orquestração e outros acidentes compartilhados com a música de então, só cronologicamente tem que ver com o romantismo, como o explico detidamente em “Da Arte do Belo” e em outros livros. Anton Bruckner é em verdade único, não só pelo que se acaba de dizer, mas por sua tão rica e tão própria linguagem harmônica, por sua ousada e também tão própria maneira de modular, e pelo caráter acentuadamente polifônico, sobretudo, de suas majestosas e extensíssimas sinfonias.

 “Aequale” (do latim “[ad] voces aequales”) é certa forma musical. Como seu próprio nome indica, foi originalmente composto para quaisquer vozes ou instrumentos iguais. Mas no século XVIII “aequale” se restringiu a ser termo genérico para peças curtas para conjunto de trombones. Ademais, antigos regulamentos de música sacra de Linz, Áustria, dizem-nos que os “aequales” eram usados em serviços funerários. Mais especialmente, eram executados em torres na noite anterior ao Dia de Finados e neste mesmo dia. É que o trombone, como o vemos no estupendo oratório “O Livro dos Sete Selos”, do austro-húngaro Franz Schmidt, se tornara um como símbolo musical do julgamento divino. E, com efeito, Bruckner compôs estes dois “Aequales” no final de janeiro de 1847 (durante uma de suas muitas estadas na Abadia de São Floriano, onde se criara e educara) para o funeral de sua tia Rosalia Mayrhofer. 

O manuscrito do “Aequale n. 1” (WAB 114) encontra-se no arquivo da Abadia de Seitenstetten, enquanto o esboço do “Aequale n. 2” foi recuperado posteriormente no arquivo da Abadia de São Floriano. No esboço, falta a partitura para o trombone baixo; na edição crítica do Bruckner Gesamtausgabe, todavia, a partitura que faltava foi reconstruída por Hans Bauernfeind. 

O “Aequale n. 1” e o “Aequale n. 2”, ambos em dó menor, têm respectivamente 34 e 27 compassos, e foram escritos para trombones alto, tenor e baixo. As duas obras são em formato e extensão de coral, contando a primeira com uma melodia tipicamente austríaca em sextas. Diga-se, por fim, que conjuntos instrumentais semelhantes seriam usados pelo mesmo Bruckner no chamado Choräle de sinfonias suas.


quarta-feira, 27 de outubro de 2021