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segunda-feira, 26 de julho de 2021

O “Stabat Mater” de Palestrina

 

Carlos Nougué

 A música polifônica religiosa de Giovanni Pierluigi da Palestrina (falecido em 1594) foi aceita pelo Concílio de Trento para a liturgia, porque, ao contrário da polifonia flamenga, cumpria um dos principais requisitos para que a música tenha lugar em nossas igrejas: a clareza com que se canta o texto, de modo que seja perfeitamente audível e entendível para todos. Pois bem, o Stabat Mater de Palestrina é uma de suas peças mais sublimes, como o constatareis por vós mesmos.

Mas Palestrina não deixava de ser um homem de seu tempo, o Renascimento, e compôs alguns madrigais (forma musical típica da época) com textos que ecoavam em algum grau, ainda, a pegajosa e enjoativa poesia dos trovadores cátaros ou influídos por estes. Esta poesia, nascida nos subterrâneos da heresia mais poderosa do século XII, nunca mais deixou de estar presente de algum modo nas artes (ou seja, na literatura, no teatro, no cinema, na música, de algum modo na pintura), até hoje; e atingiu sua perfeição daninha nas óperas de Wagner, no século XIX – é o gnóstico amor à morte fantasiado de paixões e idílios adúlteros e/ou impossíveis. E, afinal, ainda que já sem o fundo mais estritamente gnóstico, não é o que ouvimos até hoje na música popular, no jazz, no samba, na bossa-nova, no tango, no bolero, na canção francesa, etc.? O “chororô” meloso e a “dor de cotovelo” ainda avassalam a alma do povo: é mais emocionante e romântico um amor impossível ou perdido que um amor efetivo de que resultem matrimônio indissolúvel e filhos. – Mas, voltando à música erudita, se é verdade que Palestrina compôs poucos madrigais ao velho estilo dos cátaros Fedeli d’Amore, e compôs muitos madrigais espirituais que se inscrevem no melhor da música religiosa não litúrgica, o fato é que dos maiores compositores do século XIV aos dias de hoje só seis – salvo engano meu  escaparam totalmente à velha influência cátara: o católico John Browne (1453-1500), que só compôs música religiosa polifônica (e que só recentemente descobri); Francisco Luis de Victoria (1548-1611), sacerdote espanhol que só compôs música litúrgica polifônica; o católico Arcangelo Corelli (1653-1713); o luterano Johann Sebastian Bach (1685-1750); o católico Anton Bruckner (1824-1896); e o ortodoxo Arvo Pärt (1935-  ). Alguns escaparam quase totalmente: Palestrina, como dito; o católico Heinrich Ignaz von Biber (1644-1704); o luterano Dieterich Buxtehude (1637-1707); o católico Michel-Richard Delalande (1657-1726); o católico François Couperin (1668-1733); o católico Jan Dismas Zelenka (1679-1745); o católico César Franck (1822-1890); o católico Charles-Marie Widor (1844-1937); Franz Schmidt (1874-1939); e poucos mais.       

Mas escutemos o Stabat Mater de Palestrina.