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segunda-feira, 2 de maio de 2011

A Música no Brasil do Descobrimento ao Fim do Império

Padre José Maurício Nunes Garcia.

C. N.
 

I. A Música no Brasil Colônia

Embora continuemos a não dispor de extensos conhecimentos sobre a música no Brasil colonial, razão por que muitos espaços de tempo acabam por não ser adequadamente preenchidos, já podemos, porém, traçar um quadro vivo dos seus compositores mais expressivos e das suas principais atividades musicais. E, se, como é natural, tem inícios bastante modestos, a música colonial brasileira acabará por alcançar um lugar de destaque no cenário das Américas.

Música e catequese

Nos seus primeiros séculos, a colonização portuguesa se serviu da música para a catequese dos índios. Os jesuítas, e em menor medida os franciscanos, utilizaram-na[1] como instrumento de conversão, ensinando as populações indígenas, e particularmente suas crianças, a cantar ao modo europeu, e a tocar flauta, viola e outros instrumentos do Velho Mundo, incluído o cravo. Tudo isso servia à encenação de autos de origem ibérico-medieval, pequenos episódios dramáticos de tema religioso e moral em que a música desempenhava importante papel. Tal esforço, porém, teria sido vão se não fosse a musicalidade inata dos nossos índios, muito louvada nas crônicas da época.
Na década de 1550, não obstante, já havia em vários lugares e catedrais do Brasil o cargo de mestre de capela. Tratava-se de músicos que eram ao mesmo tempo professores, compositores, regentes de coro, instrumentistas e até “empresários” musicais, a quem competia organizar programações e escolher intérpretes. Eles detinham, pois, um verdadeiro monopólio da atividade musical em suas respectivas jurisdições. Mas por volta de 1570 os sacerdotes portugueses já formavam os primeiros mestres nativos, instruídos quer na arte do canto gregoriano ou polifônico, quer na arte de tocar peças profanas.

O papel do negro na música colonial

Logo, no entanto, ao mesmo tempo que importavam da Europa música escrita e instrumentos, os homens de Igreja e os senhores ricos passaram a empregar como músicos, em lugar dos índios, alguns escravos e seus descendentes. Segundo Larval, francês que visitou a Bahia no início do século XVII, havia ali um homem abastado que tinha um grupo musical com trinta componentes, todos negros, mas regidos por um provençal. Essa realidade vai perdurar por todo o período colonial, e é testemunhada, ainda, pelas crônicas de época, que louvam agora a habilidade musical dos negros.
E essa música, essencialmente europeia, quase sempre executada, agora, por negros e mulatos, teve seus principais centros na Bahia, em Olinda e, posteriormente, em Minas Gerais, embora não se devam desprezar, neste sentido, capitanias como as de São Paulo, Rio de Janeiro, Maranhão, Pará, etc.
É nesse contexto que, no século XVII, na Bahia, em Minas Gerais e em Pernambuco, surgem as irmandades de música, algumas das quais eram integradas exclusivamente por negros. Elas atuavam como uma espécie de sindicato de músicos: apenas os associados à irmandade podiam fazer música em sua jurisdição, e os improvisadores podiam ser punidos com prisão. Organizaram-se, por meio delas, pequenas orquestras e corais que se apresentavam em todos os tipos de atividades e festas. Só na capitania de Minas Gerais, no século XVIII, atuavam mais de mil músicos, 150 dos quais no Arraial do Tejuco (Diamantina).   

As salas de concerto

Dado o grande crescimento das atividades musicais, as igrejas e as casas dos senhores ricos foram ficando cada vez mais exíguas para elas. Em parte por isso é que surgiram as chamadas “casas de ópera” ou “teatros”, as salas de concerto de então. Por outro lado, o repertório começava a adotar a ópera em geral, e especialmente a chamada “ópera buffa” napolitana, então muito em voga em Lisboa.[2]
Só na Bahia foram construídos, no período colonial, cinco dessas casas. Construíram-se muitos teatros também em Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Belém. Entre os teatros cariocas, o localizado na Praça do Carmo, no qual se encenaram diversas óperas de Cimarosa, enquanto se cantava em São Paulo, em 1770, uma ópera de Antonio Caldara.[3]

As primeiras composições feitas no Brasil

O primeiro manuscrito importante de autoria de um compositor brasileiro procede de Salvador (o Recitativo e Ária [1759] do mestre de capela e padre Caetano de Mello Jesus, escrito para soprano, dois violinos e baixo contínuo). Destacam-se ainda outros compositores nordestinos, entre os quais talvez o mais importante seja Luís Álvares Pinto (Recife, 1719-1789). É dele tanto um tratado da Arte de Solfejar como um Te Deum (para quatro vozes mistas e baixo contínuo) e um Salve Regina (para três vozes mistas, dois violinos e baixo). Mulato, Álvares Pinto, que também foi militar, poeta e comediógrafo, sobressaiu como mestre de capela da Igreja de São Pedro dos Clérigos, no Recife, e fundou, em 1787, a Irmandade da Santa Cecília dos Músicos, que contava com 37 membros.
Já São Paulo, em cuja Sé, dizia-se, se fazia então música quase do mesmo nível da composta nas principais igrejas de Lisboa, recebeu grande impulso com a chegada do lisboeta André da Silva Gomes (1752-1844), autor de várias missas, das quais remanesceram 18. É aliás desse compositor português um Tratado de Contraponto e Composição (1830), de 149 páginas, onde se expõem didaticamente algumas questões contrapontísticas, como as que se podem verificar nos fugati[4] de seus próprios Noturnos de Natal, obra de juventude (1744).

Minas Gerais: o auge da música colonial brasileira

Em parte como resultado da grande riqueza oriunda da mineração de ouro e diamante, reuniu-se em Minas Gerais, no século XVIII (especialmente após a sua separação definitiva de São Paulo, com a formação da Capitania Geral em 1720), uma abundância de artistas vindos das mais diversas partes do país: músicos, cantores, escritores, arquitetos e escultores, entre os quais despontou o gênio ímpar de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. E, embora entre os compositores não se possa apontar nenhum que se compare a este último, tampouco é desprezível a atividade dos mestres musicais de que fervilhavam o Arraial do Tejuco (atual Diamantina), Mariana, Sabará, São João del Rei, Congonhas do Campo, São José del Rei (atual Tiradentes) e a capital, Vila Rica.[5]
Quase todos os músicos que se encontravam então em Minas Gerais eram mulatos e seculares, sendo poucos os religiosos porque a Coroa portuguesa proibira ali a construção de conventos. Os laicos, todavia, atendiam perfeitamente às igrejas que se multiplicavam, e organizavam-se em irmandades, as mais importantes das quais foram as das ordens terceiras do Carmo (a mais aristocrática) e de São Francisco, a de Santa Cecília, a do Santíssimo Sacramento, e a de São José dos Homens Pardos (da qual fez parte o Aleijadinho). Compostas de músicos independentes, elas forneciam, mediante contrato, música às diversas igrejas e prefeituras, e eram dotadas de rico acervo musical.
Alguns regentes ou diretores de conjuntos musicais e alguns compositores tinham, em casa, uma escola ― um verdadeiro conservatório, na verdade ― onde os alunos, em geral meninos, moravam, se alimentavam e tinham aulas de música, latim, matemática, etc. No terreno propriamente musical, os alunos aprendiam órgão (cujos exemplares, com o tempo, passaram a ser fabricados aqui, com madeira mais apropriada ao clima tropical) e diversos outros instrumentos, como clarinete, fagote, oboé, violino, violoncelo, viola. E toda essa atividade docente e discente rendeu seus frutos: em Minas Gerais não encontrou espaço a ópera napolitana, nem teve influência direta este ou aquele compositor europeu, mas deu-se uma assimilação tão completa e criativa da música que chegava do Velho Mundo, que, como afirmava Curt Lange, as composições locais parecem absolutamente espontâneas.  
Aliás, mais que música barroca ao estilo de um Bach, a música composta então em Minas Gerais ressoava algo do barroco inicial ou do pré-clássico e do mesmo clássico.[6] E, se é verdade que os músicos mineiros interpretavam muita música de câmara europeia ― trios, quartetos, quintetos, pequenas orquestras, regidos por mestres elegantemente vestidos e cobertos de peruca, animavam os saraus familiares ―, os compositores, por seu lado, escreviam basicamente música litúrgica ou sacra, não raro tendente à homofonia pré-clássica, em contraste com o ambiente arquitetônico e a arte escultórica, de corte tipicamente barroco (como o é a obra do Aleijadinho). Compunha-se mais comumente para coros mistos a quatro vozes e acompanhados de baixo, dois violinos, viola, madeiras e trompas.    

Os principais compositores 
das Minas Gerais do século XVIII

Entre eles, destaca-se amplamente José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita,[7] cuja produção totalizou mais de trezentas obras, embora não tenham remanescido até nós mais de quarenta, muitas delas mutiladas. Organista virtuoso, Emerico era dono de uma técnica não só muito expressiva, mas, como sempre afirmou Curt Lange, bastante avançada para a época. Com desenvolvido senso de invenção melódica e de equilíbrio formal, além de grande habilidade na arte de modular e sincero sentimento religioso, tem entre suas peças uma Missa em Mi Bemol Maior, um Tercis, um Tractus para o Sábado Santo, um gradual Christus factus est e um para o Domingo da Ressurreição, um Responsório de Santo Antônio, umas Lamentações para o Ofício de Quinta-Feira Santa, um Te Deum, uma Antífona e um Ofertório de Nossa Senhora, e uma ladainha In honorem Beatae Marie Viriginis, todas de alta qualidade. Em geral seu estilo é sóbrio, e entre suas composições há vários exemplos tanto de típica música concertante homofônica quanto de ária da capo.[8]
Mas outros compositores também merecem menção. Mais que todos, o mineiro de Tiradentes Manuel Dias d’Oliveira (1745-1813), entre cujas obras há um belo Ofício de Defuntos para coro e órgão e um interessante Magnificat. Além dele, podem citar-se:
• Marcos Coelho Neto (nascido em Vila Rica em 1740, e falecido na mesma cidade em 1806), de quem nos chegou um hino para coro a quatro vozes, três ladainhas e três missas;
• Francisco Gomes da Rocha (morto em 1808 em Vila Rica), que teria escrito cerca de duzentas obras, das quais sobreviveram Cum descendentibus in lacum (para a Sexta-Feira da Paixão), uma Novena de Nossa Senhora do Pilar (a quatro vozes), Spiritus Domini (para dois coros mistos e orquestra), Popule meus (a quatro vozes); e
• Ignácio Parreira Neves, também de Vila Rica (c. 1736-1791), de quem remanesceram duas obras importantes: o Oratório ao Menino Deus para a Noite de Natal e um Credo para coro misto e orquestra.   

II. A música no século XIX

Em 1808, devido ao expansionismo napoleônico, chegava ao Brasil a Corte portuguesa. Abria-se, assim, para a nossa música, um breve período de grande florescimento, mas de caráter, como veremos, contraditório. A humilde cidade do Rio de Janeiro tornava-se a sede de uma Corte suntuosa, que tinha no próprio D. João um grande entusiasta da música. Com sua volta para Portugal, porém, o também melômano D. Pedro I nada pôde fazer para evitar o declínio da atividade musical.

O impulso régio à música

Tanto a música religiosa como a profana se beneficiaram da vinda da Corte lusitana. A primeira teve grande desenvolvimento com a reorganização da Capela Real; a partir de agora, a música sacra era também assunto de estado, e decairiam grandemente em todo o território nacional as irmandades e sua atividade independente.
Enquanto esteve no Brasil, D. João deu prosseguimento à tradição musical da Casa dos Braganças (o rei D. João IV, antecessor seu, fora ele mesmo compositor, além de possuir uma das mais importantes bibliotecas musicais de toda a Europa). Assim que chegou, mandou trazer imediatamente músicos de Lisboa e castrati da Itália,[9] e dedicava trezentos mil francos anuais à Capela Real, de que faziam parte cinquenta cantores, cem instrumentistas e dois mestres de capela. Era, na opinião de muitos estrangeiros, uma das melhores orquestras do mundo.
Ao mesmo tempo que reorganizava a Capela Real, D. João construiu, em 1813 um luxuoso teatro, no estilo do São Carlos de Lisboa, no mesmo lugar onde hoje fica o Teatro João Caetano, na Praça Tiradentes. Era o Real Teatro de São João, e nele se encenaram óperas dos compositores da moda, entre os quais Marcos de Portugal, que aportara à capital do Vice-Reinado em 1811. Em grande parte graças a este compositor, a música profana igualmente teria um momento de esplendor. Mas não só tal esplendor era em grande parte ouropel, mas Marcos de Portugal exerceria com seu grupo uma espécie de tirania que afetaria a atividade de nossos maiores maestros. 

O padre-mestre José Maurício

Louvado talvez de forma demasiado romanceada por Visconde de Taunay, hoje se tem do Padre José Maurício Nunes Garcia um quadro já bastante realista, graças em grande parte às pesquisas de Cléofe Person de Mattos.[10]
Ordenado sacerdote aos 25 anos de idade, fora aluno do músico Salvador José, mulato como ele e mestre de toda uma geração carioca. Cantor de coro, estudou solfejo, e fez um curso de retórica com o Dr. Manoel Ignácio da Silva Alvarenga, o que lhe valeria o prestigioso título de “pregador régio”. Além disso, após ser nomeado mestre de capela, exerceu importante atividade de professor de música.[11]
Em 1798 já tinha sido nomeado mestre de capela da Catedral e Sé do Rio de Janeiro, e após a ordenação se tornou também padre-mestre da Igreja da Irmandade de São Pedro dos Clérigos. Ele compunha, regia e tocava órgão, além de organizar as cerimônias religiosas da Catedral. Antes da vinda da Corte, porém, tinha o mestre José Maurício grande dificuldade para reunir uma orquestra inteira que lhe pudesse interpretar as obras; não raro, contava apenas com um órgão, madeiras e trompas. Mas, improvisador virtuoso no órgão, atraiu imediatamente a atenção de D. João, que chegou ao Brasil quando José Maurício já tinha 41 anos, ou seja, quando já estava em plena maturidade musical. E, com efeito, durante os três primeiros anos da estada no Brasil do soberano (de 1808 a 1811), o Padre José Maurício foi, apesar de sua grande timidez, líder inconteste de todas as atividades musicais da Corte.
Pode ser que tivesse um mecenas; fala-se num certo José Maurício Gonçalves. Mas o fato é que o grosso do dinheiro que recebia era oriundo das partituras encomendadas, especialmente para cerimônias específicas na Catedral ou na Capela Real, e das prebendas acumuladas.
Com a chegada de Marcos Portugal, todavia, tudo começou a mudar para o Padre José Maurício. O operista lusitano e os demais artistas portugueses o hostilizavam como a um rival terrível, que era preciso afastar a qualquer custo. O que de fato se deu: o sacerdote foi posto de lado, caindo a tal ponto no ostracismo, que até de suas atividades musicais posteriores poucas referências temos.[12]
José Maurício viria a falecer em 18 de abril de 1830, aos 62 anos. Era homem de saúde frágil, e o fato de D. João ter exigido muito dele no período 1808-1811 deve ter contribuído para abalá-la ainda mais. Mas o seu progressivo afastamento da Corte muito o deve ter afetado, e um filho seu fala de envelhecimento precoce acompanhado de dores fortes e crônicas. Além disso, a partida de D. João para Portugal representou a pá de cal em qualquer esperança do compositor, ainda mais porque D. Pedro I nem sequer pôde manter a pensão dada por seu pai para o custeio da escola de música de José Maurício. O padre morreu pobre, portanto, e foi enterrado, segundo desejo seu, no claustro da Igreja da Irmandade de São Pedro.[13]   

A música de José Maurício

Escreveu José Maurício cerca de quatrocentas peças, entre as quais somente quatro profanas – o que indica, talvez, pouca inclinação para estas e um caráter verdadeiramente religioso, apesar dos dilemas e contradições em que se envolveu.
Além do mais, é grande a variedade de gêneros entre as suas composições: antífonas, cânticos, hinos, ladainhas, missas, motetos, novenas, salmos, vésperas, etc. Sua primeira obra, composta aos 16 anos, é Tota pulchra est Maria, e entre suas peças mais representativas podem destacar-se diversas missas (a Missa Pastoril para a Noite de Natal, a Missa em Si Bemol etc.), uma Sinfonia Fúnebre, um Tantum ergo, as Matinas de Natal de 1799 e alguns motetos, como Popule meus, Tenuisti manum, Crux fidelis, In Monte Olivete, Sepulto Domino, Inter vestibulum, Immutemur habitu e Judas mercator pessimus.
Seu momento mais inspirado foi, precisamente, o que antecedeu a vinda da Corte. Depois, em razão tanto da guerra que lhe era movida por Marcos Portugal quanto da pressão da moda e do ambiente cortesão galante, ele se teria deixado influenciar pelo estilo operístico napolitano, perdendo assim a suave singeleza da sua primeira fase e incorrendo no terrível abuso, tão criticado especialmente por São Pio X, de levar a ópera para o âmbito do litúrgico. Prova disso se tem, por exemplo, em seu Te Deum. Até na mesma Missa de Santa Cecília, de 1826, sua última obra, muitos veem tal influência. Contudo, talvez se possa ver em parte das obras da última fase do Padre José Maurício não propriamente o estilo pomposo e enfatuado da ópera de então, mas a influência dominante de Haydn, além da de Mozart. Tratar-se-ia, neste caso, de culminação de certa tendência ao classicismo que já observamos na nossa música colonial.[14]

Compositores contemporâneos de José Maurício

• Também vítima de Marcos Portugal foi o baiano Damião Barboza (1788-1856). Compositor sacro de valor, foi primeiro violino da orquestra da Capela Real, mas teve de voltar para Salvador devido justamente à perseguição do grupo português.
• João de Deus Castro Lobo (Vila Rica, 1794-1832) exerceu sua atividade em Mariana, onde foi organista da igreja da Ordem Terceira da Penitência de São Francisco e mestre de capela da Catedral. O último dos grandes compositores mineiros deste ciclo, encontraram-se dele 48 obras (apenas uma delas profana, para orquestra: a Abertura em Ré Menor), entre as quais duas missas, umas Matinas de Natal e outras de São Vicente de Paulo, um Te Deum e Responsórios Fúnebres.
• Registrem-se ainda outros dois nomes: José Joaquim de Sousa Negrão (falecido em 1832), autor de cantatas como O último Canto de David e A Estrela do Brasil; e José Joaquim de Paula Miranda (1780-1842), que compôs uma elogiada Missa em Dó Maior.

O músico e compositor D. Pedro I

D. Pedro I, que, como já se disse, não pôde dar continuidade à política de seu pai de apoio à música, também foi músico e compositor. Teve professores renomados: José Maurício, Marcos Portugal, e Sigismund Neukomm, músico austríaco (e discípulo predileto de Haydn) que residiu no Brasil durante o reinado de D. João e ensinou ao jovem Pedro composição, contraponto e harmonia. Tocava este, diz-se, seis instrumentos: clarinete, fagote, flauta, trombone, violoncelo e rabeca. Organizava concertos na fazenda de Santa Cruz, nos quais muitas vezes participou como primeiro clarinete.
Suas composições datam, em grande parte, do período anterior à volta de seu pai a Portugal, em 1821. Entre elas, contam-se: uma Sinfonia; umas Variações sobre uma ária de dança popular; a Abertura de uma ópera em português (encenada em 1832 no Teatro Italiano de Paris); um Te Deum; uma antífona litúrgica, Sub tuum presidium; um Moteto a São Pedro de Alcântara (padroeiro da família real); uma Missa executada, quando ele se casou pela segunda vez, em 1829, na Capela Real; diversas valsas; e o Hino da Independência.
As peças do compositor D. Pedro I têm evidente influência de Mozart, e muitas delas, incluindo peças sacras, são em estilo pomposo, imperioso – como em estilo próprio de um imperador. Mas ainda estamos para estudá-las mais a fundo.

A decadência musical durante o Império

O nível das atividades musicais, quer sacras, quer profanas, caiu bruscamente com o retorno de D. João a Lisboa. O declínio se aprofundaria, depois, com a abdicação de D. Pedro I, em 7 de abril de 1831, o que acarretou a dissolução da orquestra da Capela Imperial. Só depois da maioridade de D. Pedro II, em 1840, houve condições para uma retomada, ainda que parcial, da vida musical em todo o país.
Enquanto isso, continuou a crescer aqui o peso da ópera italiana ― em particular da de Rossini ―, e era tal a precariedade da produção musical nos gêneros mais elevados, que aquele gênero italiano chegou a servir de sucedâneo da própria música litúrgica.[15] Aliás, o condenabilíssimo uso de música operística em substituição à música verdadeiramente litúrgica duraria até meados do século XX.  

Francisco Manuel

Mas de fato a música teria naufragado entre nós se não fosse a atividade de Francisco Manuel, sobretudo entre 1831 e 1840. Nascido no Rio em 1795, estudou música tanto com José Maurício quanto com Sigismund Neukomm, e viveu o período áureo anterior (foi, ainda jovem, membro da orquestra da Capela Real). Foi, pelo que se diz, virtuoso no violino, no violoncelo, no piano e no órgão. Também foi vítima do ciúme de Marcos Portugal. Não era um grande compositor, mas entre as suas peças podemos destacar, por diversos motivos, um Te Deum dedicado a D. Pedro, uma Missa em Mi Bemol e a Missa Ferial.[16]
Mas o grande empreendimento de Francisco Manuel foi a criação do Conservatório do Rio de Janeiro, que então fazia parte da Escola Nacional de Belas-Artes.[17]

A música na segunda metade do século

Nos dois últimos quartéis do século XIX, o gênero operístico prosseguiu no centro da nossa vida musical, mas agora com um dado novo: a tentativa de criação e fortalecimento de uma ópera nacional. Primeiramente, várias obras italianas, como a Traviata e Norma, foram traduzidas e encenadas em vernáculo. Depois, a Ópera Nacional passou a apresentar obras de autores brasileiros, como Elias Álvares Lobo, Domingos José Ferreira, Henrique Alves Mesquita ― e Carlos Gomes.
Por outro lado, algum papel também desempenharam os concertos sinfônicos e de câmara, embora fosse pequena a penetração do romantismo musical no país.[18] Eram organizados por diversas entidades, entre as quais, no Rio de Janeiro, o Clube Mozart e o Clube Beethoven (às atividades de ambos assistia frequentemente D. Pedro II), e, em São Paulo, o Clube Haydn e o Clube Mendelssohn.
E, por fim, começaram a organizar-se a partir de 1887 concertos populares (os referidos clubes só ofereciam audições a seus sócios), graças, sobretudo, à atividade de Carlos de Mesquita e, depois, de Alberto Nepomuceno.

Carlos Gomes

Antônio Carlos Gomes (18361896) é bem produto e coautor da época em que viveu, quando, como vimos, reinava absoluta a ópera nas terras brasileiras. Mais ainda: como a ópera que então reinava era a italiana, não surpreende o fato de a carreira de nosso compositor ter-se firmado na mesma Itália.
Ainda criança, Carlos Gomes perdeu a mãe, e seu pai, que vivia em dificuldades financeiras, organizou com os 26 filhos uma banda, na qual nosso compositor deu os primeiros passos artísticos. Aos 15 anos, compôs valsas, quadrilhas, polcas, e aos 18 a Missa de São Sebastião, dedicada ao pai. Três anos depois, nasceu-lhe a modinha Suspiro d’Alma, com versos do poeta romântico português Almeida Garrett. Aos 23 anos, já apresentara vários concertos com o pai e lecionava piano e canto, dedicando-se sempre ao estudo das óperas e dos operistas. Preferia, entre todos, Giuseppe Verdi.
Em 1860, já vivendo no Rio (era de Campinas), e estudando no Conservatório de Música, Carlos Gomes compôs uma peça para a festa de encerramento do curso. Viu-se porém acometido de febre amarela. Quando o maestro ia dar início à execução, naturalmente sem esperar a presença do autor, eis que, ardendo em febre, aparece o jovem campineiro no estrado, e pede a batuta para dirigir sua obra. Ao final, intermináveis aplausos, seguidos do desmaio de Carlos Gomes. Tendo tudo isso chegado ao conhecimento do soberano, este mandou que lhe entregassem uma medalha de ouro por seu esforço e talento. História tipicamente romântica...
Em setembro de 1861, foi encenada no Teatro da Ópera Nacional A Noite do Castelo, a primeira ópera de Carlos Gomes, baseada na obra de Antônio Feliciano de Castilho. Aclamado por uma entusiástica multidão, o imperador agraciou-o com a Imperial Ordem da Rosa.
O jovem conquistava a Corte. Mas a saudade de Campinas e do velho pai atormentava-lhe o coração, e, pensando também na amada Ambrosina, Carlos Gomes escreveu Quem Sabe?, cujos versos “Tão longe, de mim distante...”, de Bittencourt Sampaio, são ainda hoje cantados.
Dois anos depois, o compositor apresenta a sua segunda ópera, Joana de Flandres, com libreto de Salvador de Mendonça. Como corolário do sucesso dela, leu-se na Congregação da Academia Imperial de Belas-Artes um ofício do diretor do Conservatório de Música: tinha ele escolhido o aluno Antônio Carlos Gomes para ir à Europa, às expensas da Empresa de Ópera Lírica Nacional, conforme contrato com o Governo Imperial.
O imperador preferia que o compositor fosse para a Alemanha, onde pontificava Wagner, mas a imperatriz, D. Teresa Cristina, napolitana, sugeriu-lhe a Itália. Com efeito, em 8 de novembro de 1863, partiu o estudante no navio inglês Paraná, levando consigo recomendações de Dom Pedro ao Rei Fernando de Portugal para que o apresentasse ao diretor do Conservatório de Milão, Lauro Rossi.
Em 1866, Carlos Gomes recebia o diploma de maestro e compositor. A sua primeira peça em terra italiana, Se sa minga, com libreto de Antonio Scalvini e em dialeto milanês, estreou em 1867 no Teatro Fossetti. Um ano depois, aparecia Nella Luna, com libreto do mesmo autor, e encenada no Teatro Carcano.
Carlos Gomes já gozava de renome em Milão, quando, certa tarde de 1867, ouviu na Praça do Duomo um garoto apregoar: “Il Guarany! Il Guarany! Storia interessante dei selvaggi del Brasile!” Tratava-se de uma péssima tradução do empalagoso romance de José de Alencar, mas aquilo interessou subitamente o maestro, que comprou o folheto. Scalvini também se impressionou com a história... E assim surgiu O Guarani, que, encenado pela primeira vez em 19 de março de 1870, o “imortalizaria”... O já consagrado Verdi teria dito de Carlos Gomes, naquela noite de estreia: “Questo giovane comincia dove finisco io!” (Este jovem começa de onde termino eu!)
Em 3 de fevereiro de 1888, Carlos Gomes estreia, no Scala de Milão, a ópera Condor, novamente com grande sucesso. Mas já nessa época o acometera o mal que o fazia sofrer dolorosamente e o levaria para o túmulo. Por outro lado, quando ele ainda estava à espera da sua nomeação para o cargo de diretor do Conservatório de Música no Brasil, foi proclamada a República e exilado seu grande amigo e protetor, Dom Pedro II (as sapas...). Carlos Gomes ainda iria compor Colombo, poema sinfônico que, no entanto, não obteve êxito no grande público.
Lauro Sodré, então presidente do Pará, pediu-lhe que organizasse e dirigisse o Conservatório daquele estado. A caminho do Brasil, sofre em Lisboa, em abril de 1895, uma primeira intervenção cirúrgica na língua. Embarca, no vapor Óbidos, para o Brasil. Mas os últimos dias de Carlos Gomes, em Belém, foram de grande sofrimento; os médicos não conseguiam diminuir-lhe as dores. E em 16 de setembro de 1896 falecia o testa di leone (cabeça de leão), como algumas publicações italianas o chamavam devido à farta cabeleira.
Seu corpo foi embalsamado, fotografado e exposto à visitação pública, cercado de flores, partituras e instrumentos, inteiramente de acordo com a idealizada “morte bela” do romantismo. O maestro, porém, não foi sepultado em Belém, mas em São Paulo. Seu ataúde ficava no centro de um monumento funerário de quatorze metros de altura ― o culto aos “grandes homens”, os reconhecidos pela “Humanidade”, conformava a religião cívica do positivismo...

Leopoldo Miguez, compositor fim de século 

O compositor, violonista e maestro Leopoldo Américo Miguez (18501902) viajou aos 32 anos, por conta própria, para a Europa a fim de aperfeiçoar-se. Quando retornou ao Brasil, estava convertido ao credo wagneriano. Republicano militante e encarniçado, é de sua autoria o Hino da Proclamação da República. E, como o velho Conservatório de Francisco Manuel já havia muito precisava de remodelação, dois meses após o 15 de Novembro se criava o Instituto Nacional de Música, com Leopoldo Miguez como diretor.
Entre as peças de Miguez, costumam ser lembrados os poemas sinfônicos Parisiana e Prometeu, a ópera Os Saldunes, a Sinfonia em Si Bemol e as peças instrumentais Allegro appassionato, para piano solo, Noturno e Reina a Paz em Varsóvia. Músico competente, mas compositor de baixo voo, foi o continuador de Francisco Manuel na transformação do ensino da música no Brasil. Faleceu aos 52 anos.

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Recomendamos

Entre tantos excelentes discos com nossa melhor música pré-republicana, podemos indicar os seguintes:

• Os CDs do Ars Nova (Coral da Universidade Federal de Minas Gerais) Mestres da Música Colonial Mineira;
• Os CDs do grupo Calíope;
• O CDs de Brasilessentia Grupo Vocal e Orquestra;
• O CD Missa de São Pedro de Alcântara, de José Maurício Nunes Garcia, com o Coro de Câmera Pro-Arte e regência de Carlos Alberto Figueiredo.   




[1] A par da luta contra a escravização dos índios e da tradução de textos católicos para o tupi-guarani.
[2] Sobre a ópera, falaremos extensamente em outros artigos. Mas diga-se desde já: ela foi em grande parte nefasta, e fundou-se num falso entendimento do coro dramático da Grécia antiga.
[3] Sobre Cimarosa e Caldara falaremos, igualmente, neste blog. Mas diga-se desde já que Caldara (c. 1670–1736) é autor também de belíssimas peças religiosas. Não raro os compositores de então se esgarçavam entre a boa música e a música profana de caráter ou sensual ou apaixonado.
[4] Fugato: trecho de composição com características da fuga.
[5] Foi o musicólogo Francisco Curt Lange (Eilenburg, 1903-Montevidéu, 1997) quem primeiro pesquisou, descobriu e divulgou a obra dos compositores mineiros do século XVIII. Alguns críticos puseram em dúvida a autenticidade das obras encontradas por ele. Mas, ainda que se trate de restauração, tais peças têm inequívoco valor histórico e estético. Como afirma Vasco Mariz, Lange, na verdade, não encontrou partitura alguma. Na época colonial, era costume escrever diretamente as partes para vozes e instrumentos. Para complicar o quadro, raros são os originais contemporâneos dos autores, e as cópias posteriores sempre contêm omissões ou supressões. Por isso dizia o próprio Lange que seu trabalho não fora de revisão, mas uma autêntica reconstituição. O fato é que sem o labor de Curt Lange hoje não se teria acesso, em numerosos arquivos e gravações, ao rico mundo musical das Minas Gerais setecentistas. [Para mais informações: Acervo Curt Lange (http://www.curtlange.bu.ufmg.br/).]
[6] Ao contrário do que comumente se pensa, o barroco musical inicial (princípio do século XVII) representou a vitória da homofonia sobre a polifonia e as artes contrapontísticas. Será preciso esperar especialmente a arte de Johann Sebastian Bach (1685-1750) para que a polifonia, e em particular a fuga, venha a tornar-se a característica central do último barroco. E curiosamente ― como a demonstrar a fragilidade das periodizações na história da arte ― o rococó e o pré-clássico musicais (por exemplo, os filhos de Bach), que se seguem imediatamente ao barroco, representam uma progressiva retomada da homofonia.
[7] José Joaquim Emerico Lobo de Mesquita nasceu em 1746, na Vila do Príncipe do Serro do Frio, perto da atual Diamantina. De origem humilde, filho de um português e de sua escrava Joaquina Emerenciana, teve como professor de música e latim o Padre Dantas, um competente mestre de capela. Por duas décadas foi músico no então Arraial do Tejuco, como membro da confraria da Capela das Mercês dos Pretos. Foi, além disso, alferes do Terço de Cavalaria dos Pardos e professor de música e contraponto, e acabou por transferir-se para Vila Rica na companhia de Tereza Ferreira, sua inseparável escrava. Por fim, devido provavelmente à crise financeira por que passava Minas Gerais, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde faleceria em 1805. Na capital do Vice-Reinado, foi organista da Ordem do Carmo, e é possível que tenha conhecido pessoalmente o grande compositor do século XIX, o Padre José Maurício.
[8] Música concertante: composição, ou parte de composição, na qual os motivos principais são entregues a dois ou mais instrumentistas e/ou vocalistas, os quais, acompanhados pela orquestra, dialogam entre si. Da capo (“desde o início”): expressão italiana usada para indicar, nas partituras, que o trecho executado deve ser repetido desde o começo.
[9] O recurso a castrati, iniciado no mal chamado Renascimento, é um dos episódios mais negros da história da música.
[10] José Maurício nasceu em 22 de setembro de 1767, na Rua da Vala (atual Uruguaiana), no Rio de Janeiro. Filho de pai alfaiate e mãe mulata liberta, o futuro compositor teve uma juventude economicamente bastante difícil, sobretudo pela morte do pai quando ele tinha apenas seis anos. Educado pela mãe e por uma tia, teve a ajuda de um amigo da família, negociante, para prosseguir nos estudos. De inteligência vivaz e vontade férrea, além de incansável capacidade de trabalho, o Padre José Maurício é um dos muitos exemplos de superação, no Brasil escravocrata, das barreiras sociais, o que faz cair alguns mitos liberais sobre aquele período. O sacerdote mulato não foi apenas mais um músico; foi um homem muito culto, orador de alto quilate, admirável intérprete e grande compositor.
[11] O Padre José Maurício exerceu importante atividade de professor, tendo em casa, como os antigos grandes maestros coloniais, um “conservatório”, que tinha por objetivo preparar cantores e músicos para as cerimônias e ofícios religiosos da Sé da capital. O ensino era gratuito, os alunos se distinguiam por usar um laço vermelho e azul no chapéu, e a sua participação nas atividades e conjuntos musicais os isentava de prestar o serviço militar. Com a vinda da Corte portuguesa para o Brasil, D. João VI passou a dar ao compositor uma pensão para ajudar a manter a escola. D. Pedro I, no entanto, não teria condições de continuar a dá-la, e o curso seria fechado em 1822, após 28 anos de funcionamento. Um ano antes, José Maurício escrevera um compêndio de música e método de pianoforte, mas a verdade é que o mestre não possuía nenhum cravo ou piano, tendo de valer-se da viola de arame (dotada de cinco ou seis pares de cordas de aço ou de arame, e também chamada viola braguesa) como instrumento de ensino básico.
[12] Em parte isso se terá dado pelo próprio prestígio de Marcos Portugal, que, nascido em 1760 e menino prodígio na sua cidade natal, foi para Nápoles e ali fez amizade com Cimarosa. Suas óperas dominaram o ambiente musical de seu país, além de ter feito certo sucesso em outros países europeus. E, se na verdade sua música, de qualidade hoje reconhecidamente inferior, não sobreviveu a ele, ao contrário da de José Maurício, o fato é que então o arrogante e invejoso compositor português conseguiu completo, tirânico e exclusivo domínio do cenário musical carioca. Mas também pode ter contribuído para tal vitória de Marcos Portugal e para o ostracismo de José Maurício a vida amorosa deste, em pública e escandalosa contradição com seu estado sacerdotal. Teve ele seis filhos com uma mulher chamada Severiana, que depois se casaria com um português rico. Ao que parece, o compositor lusitano usou de tal fato como argumento para mais facilmente alijar da Corte o padre, e, embora o regente nunca lhe tenha tirado o cargo, o certo é que de fato o padre-mestre se viu cada vez mais segregado dela.
[13] Sua morte passou quase despercebida na sede do primeiro Império, e apenas o Diário Fluminense publicou um necrológio seu, escrito pelo cônego Januário da Cunha Barbosa, amigo e companheiro de irmandade. Quanto a Marcos Portugal, morreu três meses antes do rival, tendo sido enterrado no Convento de Santo Antônio, no Rio de Janeiro.
[14] Não nos esqueçamos jamais, porém, de que a mesma música religiosa de Haydn e Mozart quase nunca tem verdadeiro caráter litúrgico, e, mais que isso, de que algumas das peças “sacras” destes dois grandes compositores beiram o leviano. Não por nada, aliás, o próprio Mendelssohn, luterano, achou a música “sacra” de Haydn “escandalosamente alegre”, e o Arcebispo Hohenwart, de Viena, decidiu proibir a execução das missas do compositor. Melhor era, sem dúvida, a música religiosa de seu irmão, Michael Haydn (como a Missa para o Domingo de Ramos e o Réquiem Solene), e algumas peças de Mozart neste âmbito, como a inacabada Missa em Dó Menor, o também inacabado Réquiem, e sobretudo a belíssima Ave verum corpus. Tampouco, porém ― repita-se ―, o melhor da música religiosa de Mozart é litúrgico, e inclui-se no que se pode denominar “música religiosa para fora das igrejas”. Trataremos fartamente esse assunto neste blog.
[15] Em sua maioria, eram italianos os intérpretes das óperas encenadas nos teatros brasileiros. Quanto a Rossini, não é compositor destituído de talento, mas sua obra operística não escapa, em geral, aos problemas que afetam grandíssima parte da ópera em geral.
[16] Também é de autoria de Francisco Manuel o Hino Nacional brasileiro. Mas precisem-se duas coisas: primeira, que este compositor, convicto liberal e futuro protegido de D. Pedro II, só quis com o Hino celebrar a deposição de D. Pedro I; e, segunda, que a letra com que ele é hoje cantado só foi escrita em 1909, por Osório Duque Estrada, e oficializada em 1922.
[17] No entanto, falecido em dezembro de 1865, aos setenta anos, Francisco Manuel não chegaria a ver concretizado o seu sonho de construir um prédio especial para o Conservatório, inaugurado somente em 1872: é o mesmo prédio da atual Escola de Música, subordinada hoje à Universidade Federal do Rio de Janeiro.
[18] Segundo a autobiografia do compositor alemão Richard Wagner ― que, de certo modo, é o ápice do romantismo na música, e por isso mesmo, por muitos aspectos, seu pior rebento ―, D. Pedro II lhe havia encomendado uma obra para ser encenada no Rio de Janeiro. Mas o fato é que o imperador jamais ofereceu dinheiro a Wagner para compor a obra: tudo não foi mais que iniciativa de um falso cônsul brasileiro em Leipzig, cidade que, além do mais, jamais contou com nenhum consulado brasileiro. Como quer que seja, Wagner aceitou a encomenda, e começou a escrever Tristão e Isolda pensando no Rio de Janeiro. Sucede, porém, que a obra se foi tornando demasiado complexa e grandiosa ― ou seja, perfeitamente wagneriana... ― para qualquer teatro sul-americano, e disse-o seu autor em carta ao suposto cônsul. Tempos depois, D. Pedro II, que efetivamente era um admirador do compositor romântico, conheceu-o pessoalmente em Berlim e até compareceu à inauguração de um teatro wagneriano, em Bayreuth. Ao que parece, fizera até pequena doação em dinheiro para a sua construção. Vê-se que caminhos trilhava a nossa monarquia: minados por todas as sapas...

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