C. N.
Esta preciosidade filosófica pode, à primeira
vista, assustar o leitor leigo moderno, e não poucos já nos escreveram
dizendo-a impenetrável. Não o é. Naturalmente, sua leitura exigirá certo
esforço matemático, até porque boa parte de suas fórmulas Boécio as deixa
irresolutas. Para penetrar este
mundo, porém, basta antes de tudo sentar-se diante de um piano, onde,
obviamente, há teclas pretas e brancas; a cada grupo de duas brancas sucede-se um
grupo de três pretas, e vice-versa. Toque-se a tecla branca anterior a um grupo
de duas pretas e, depois, a branca anterior ao grupo seguinte de três pretas:
ver-se-á então que o som extraído da segunda tecla branca é mais agudo que o da
anterior. Pois bem, a diferença de altura musical entre as duas teclas
constitui o que se chama intervalo de
quarta; e, se agora se toca outra vez aquela primeira tecla branca e depois
a tecla branca que se segue à primeira preta do segundo grupo de três pretas,
perceber-se-á que a altura musical é maior que a anterior – é o intervalo de quinta. Se se nota, ademais:
a) que dos intervalos anteriores se podem
derivar todos os intervalos musicais;
b) que, quando entre duas teclas brancas há
uma preta, o intervalo musical entre aquelas é de um tom;
c) e que entre duas brancas consecutivas (sem
mediação de uma preta) o intervalo é de um semitom;
ter-se-á penetrado
o universo da música e dado um primeiro passo com respeito à obra de Boécio. Para poder enfim penetrá-la, não se necessita, além dessas simples noções musicais, senão de meros rudimentos matemáticos:
• soma, subtração, multiplicação e divisão de
números positivos (inteiros e fracionários);
• ordenação de números fracionários.
O mais é esforço intelectual, sempre recompensado
pelo repouso na Verdade.
Em tempo: A melhor tradução que conhecemos da obra de
Boécio é a de Salvador Villegas Guillén ao espanhol (Anicio Manlio Torquato
Severino Boecio, Tratado de música, Madri, Ediciones
Clásicas Madrid, 2005).